Os trolls de direitos autorais normalmente não produzem ou distribuem conteúdo, mas, em vez disso, ganham dinheiro com material protegido por direitos autorais, usando a ameaça de litígio para abalar as pessoas que supostamente baixam filmes e outros conteúdos pela Internet- um modelo de negócios que convida ao assédio e ao abuso. Estas entidades operam em muitos países ao redor do mundo e recentemente surgiram no Brasil com práticas predatórias que ameaçam garantias de devido processo, privacidade e proteção de dados de milhares de usuários de internet.

Felizmente, a sociedade civil está no caso, sensibilizando, orientando e combatendo em nome dos brasileiros que estão sendo alvo desta problemática prática empresarial.

Os trolls de direitos autorais brasileiros estão usando a mesma cartilha que os trolls contra os quais a EFF luta nos EUA. Funciona mais ou menos assim: entidades que afirmam representar os detentores de direitos, como estúdios de cinema, encontram maneiras de obter endereços IP que supostamente compartilharam filmes online usando BitTorrent ou outros sistemas de compartilhamento de arquivos. Os trolls, geralmente um escritório de advocacia ou empresa de "gestão de direitos", acumulam um grande número de endereços IP e, em seguida, entram com ações judiciais para exigir que os provedores de conexão à Internet revelem informações de identificação pessoal associadas aos seus clientes.

Agora armados de nomes e endereços, os trolls de direitos autorais enviam notificações extrajudiciais acusando essas pessoas de violação de direitos autorais e exigindo que paguem um acordo para evitar processos judiciais onerosos. Os usuários que não estão cientes de seus direitos e não sabem como se defender contra tais ameaças pagam o acordo—os trolls lucram e passam para o próximo conjunto de vítimas.

Há muito de errado com este esquema. Os trolls de direitos autorais utilizam os tribunais como arma, apresentando ações judiciais com poucas provas e pouca consideração pela precisão. Alguns nomeiam dezenas de réus em um único caso, tornando a justiça individual praticamente impossível. Eles normalmente visam os assinantes de banda larga, que podem não ter feito o download do material protegido por direitos autorais. E, como pelo menos um exemplo flagrante no Brasil mostrou, eles podem levar à exposição de milhares de informações pessoais em violação a garantias de privacidade e de proteção de dados.

Escritórios de advocacia no Brasil representando estúdios cinematográficos dos EUA têm nos últimos anos visado milhares de pessoas por suposto uso do BitTorrent para download de filmes on-line. Essas pessoas recebem avisos alegando ter infringido a lei brasileira de direitos autorais e oferecendo-lhes uma saída: pagar ao escritório alguns milhares de reais (em geral cerca de R$ 3 mil) para evitar ser processado e acumular pesadas taxas legais. Uma firma relatou ter enviado mais de 60.000 notificações. Mesmo se apenas 15% dos notificados decidissem pagar, o troll ainda assim chegaria a milhões de reais.

Como os trolls de outros lugares, os trolls no Brasil geralmente conseguem os dados de identificação dos usuários, como nomes e endereços, por meio de ordens judiciais exigindo que as empresas de telecomunicações entreguem as os dados cadastrais associados a endereços IP. Legisladores e tribunais frequentemente consideram os dados cadastrais menos sensíveis do que outras categorias de dados com base na suposição problemática de que eles não revelam detalhes íntimos da vida e hábitos das pessoas. Porém, os dados cadastrais são exatamente o tipo de informação necessária para identificar a navegação e as comunicações dos usuários na Internet. A análise de se a entrega dos dados é necessária e proporcional, e não uma restrição abusiva à privacidade e à proteção de dados pessoais, não deve ser menos rigorosa só porque o pedido de quebra de sigilo se refere a dados cadastrais.   

No final de 2020, a operadora Claro, um dos maiores provedores de conexão do Brasil, entregou dados pessoais de mais de 70.000 assinantes ao escritório de advocacia Kasznar Leonardo Advogados. O escritório, representando uma empresa britânica que estava rastreando cópias não autorizadas de três filmes para a produtora americana Millennium Media, entrou com uma ação judicial, e a Claro divulgou os dados após receber uma ordem judicial.

Chocantemente, os dados estavam disponíveis em planilhas hospedadas em um drive do Google com acesso irrestrito. Qualquer pessoa com credenciais para acessar o sistema eletrônico do tribunal podia visualizar as planilhas. Foram expostas mais de 70.300 entradas contendo nomes e endereços de clientes de todo o Brasil, assim como os detalhes sobre quando e como os filmes foram baixados. Grupos da sociedade civil que acompanharam o caso, como Creative Commons Brasil, Coalizão Direitos na Rede, IDEC e Partido Pirata, apontaram que, como as informações pessoais foram divulgadas desta forma, seria complicado afirmar que quaisquer notificações enviadas aos usuários vinham realmente da Kasznar Leonardo Advogados.

Usar os tribunais para fazer com que os provedores de conexão entreguem os dados dos assinantes com o objetivo de enviar notificações extrajudiciais a dezenas de milhares de pessoas de uma só vez é bastante problemático. Felizmente, alguns tribunais e provedores estão tomando uma posição contra os trolls de direitos autorais. O Tribunal de Justiça da UE decidiu em 2021 que os tribunais devem rejeitar um pedido de informação baseado em violações de direitos autorais se for injustificado ou desproporcional. Em 2018, dois provedores dinamarqueses ganharam uma ação judicial para impedir que as identidades de seus assinantes fossem entregues a trolls de direitos autorais. Enquanto isso, no Brasil, a UP Tecnologia, um pequeno provedor, também tomou uma posição ao notificar os usuários sobre pedidos de seus dados cadastrais por uma empresa que representa os estúdios cinematográficos dos EUA. Isto dá aos usuários a oportunidade de se defenderem e tomarem medidas para proteger seus direitos.

Mas na maioria das vezes, os provedores entregam os dados dos assinantes sem questionar.

Os usuários brasileiros gozam de certas proteções legais contra estes abusos, e os tribunais e provedores brasileiros devem tê-las em conta. Os trolls de direitos autorais citam a Lei de Direitos Autorais do Brasil e o Artigo 184 do Código Penal em suas notificações para assustar os usuários e atraí-los para o pagamento de acordos. Mas os tribunais brasileiros adotaram uma interpretação restrita de quando a violação de direitos autorais é um crime. As ações penais atingem principalmente as pessoas que procuram lucrar com a violação de direitos autorais, vendendo conteúdo protegido, e não pessoas que baixam filmes para uso pessoal ou compartilhamento gratuito.

O Brasil também tem robustas garantias de proteção de dados, graças à abrangente lei de proteção de dados do país. Os tribunais devem seguir seus princípios ao avaliar os pedidos de dados pessoais, e os provedores devem cumprir suas regras ao divulgar dados de usuários, inclusive para adotar medidas de segurança adequadas.

A estrutura legal está lá para tornar menos confortável para os trolls de direitos autorais a extração abusiva de acordos de direitos autorais no Brasil. Os tribunais e os provedores devem fazer sua parte para proteger os usuários de suas práticas predatórias. Enquanto isso, um grupo de advogados foi formado para prestar assistência jurídica gratuita a indivíduos com risco de serem processados após receberem uma notificação extrajudicial. O grupo pode ser contatado em copyrighttrolls@partidopirata.org.