Com estados começando a relaxar restrições de isolamento, a discussão sobre COVID-19 agora entra em questões de quando e como podemos voltar ao trabalho, levar os filhos para a escola ou planejar uma viagem de avião.
Vários estados norte-americanos e países, por exemplo o Reino Unido, Itália, Chile, Alemanha e o estado de Califórnia demonstraram interesse em assim-chamados “passaportes de imunidade”– um sistema que requer que pessoas apresentam suposta prova de imunidade a COVID-19 para poder ter acesso a espaços públicos, locais de trabalho, aeroportos, escolas ou outros locais. Vários destes programas propõe o armazenamento da prova num ‘token’ dentro do telefone. O passaporte de imunidade ameaça a nossa privacidade e segurança de dados, e seria um passo grande em direção a um sistema nacional de identificação que pode ser utilizado para coletar e armazenar os nossos dados pessoais e rastrear a nossa localização.
O passaporte de imunidade supostamente ajudara em combater a transmissão da COVID-19. Ha, contudo, poucas evidencias que realizaria este objetivo.
No plano pratico, atualmente não há teste para imunidade contra COVID-19, o que existe são testes de anticorpos. Ainda não sabemos se pessoas com anticorpos tem imunidade. Também teve uma enxurrada de testes defeituosos e esquemas fraudulentos promovendo testes de anticorpos. Mesmo quando houver testes facilmente disponíveis, podem não ter 100% de precisa-o. Tal sistema não poderia nem se iniciar até que pode garantir os direitos fundamentais de quem quer disputar os resultados dos testes. Vimos este problema no passado; como no caso das listas “de exclusão de voar” criadas depois do 11 de setembro, é muito difícil sair da lista, mesmo quando a inclusão na lista foi por engano.
O problema com o passaporte de imunidade não é só medico - é ético. Acesso a ser testado tanto para COVID-19 como para anticorpos é difícil. Ha muitos relatos de pessoas que temiam ter a infeção que tentam desesperadamente ser testadas e não conseguem. Analises demonstram que Afro-Americanos tem muito menos probabilidade do que pacientes brancos, hispânicos ou asiáticos a ser testado antes de ir para a sala de emergência. Locais de teste móvel operados por Verily (subsidiaria da Alphabet, empresa controladora da Google) requerem que pessoas tenham um celular e uma conta Google. Moradores no bairro Tenderloin em San Francisco, uma das áreas mais pobres da cidade, foram recusados nos locais de teste porque não tinham celulares.
Exigir verificação de imunidade com base de telefone celular para acessar espaços públicos como escritórios e escolas só exacerba e reforça desigualdades existentes e um sistema de duas camadas, onde os privilegiados podem se mover livremente pela sociedade e os vulneráveis não podem trabalhar, fazer compras e frequentar aulas porque não tem celular ou acesso a testes. Já vimos isso antes. Quando a febre amarela assolou o sul dos Estados Unidos nos anos 1850, aqueles considerados “não-aclimatizados” a doença não eram empregáveis. Isto atingiu pessoas negras e de baixa-renda mais do que os membros privilegiados da sociedade.
Como vimos deste exemplo, condicionar acesso a sociedade em imunidade incentiva “caca-doenças”, quer dizer, pessoas tentaram contrair a doença de propósito para poder obter o passaporte de imunidade. Ninguém deveria ter que se expor a uma doença potencialmente fatal sem cura para poder trabalhar.
Riscos do Passaporte de Imunidade Digitalizado
Em grande parte, a premissa da campanha em prol do passaporte de imunidade tem sido a promessa de uma solução tecnológica para a crise de saúde pública. Por exemplo, uma proposta de lei em Califórnia utilizaria tecnologia blockchain para facilitar o sistema de passaporte de imunidade nos celulares das pessoas. Estamos contra esta proposta-lei. Avanços tecnológicos como tecnologia blockchain ou outros métodos de implementação não satisfazem as objeções nossas a este tipo de sistema em si.
Ainda, o passaporte de imunidade digitalizado pode normalizar documentos de prova de situação em formato digital de forma mais generalizada. Os defensores do passaporte de imunidade visualizam um mundo onde não podemos passar pela porta de um local de trabalho, escola ou restaurante até o vigia da porta registra a nossa identidade. Isso normalizaria tais vigias a exigir a apresentação de documentos e normalizaria o público a se submeter a tais exigências.
Um sistema digital assim poderia facilmente ser ampliado para verificar não apenas a situação de imunidade da pessoa, mas qualquer outra informação pessoal que o vigia considerar relevante, tal como idade, gravidez, situação de HIV ou antecedentes criminais. Tal sistema poderia ser alterado para documentar não apenas a situação da pessoa, mas também quando alguém passou por uma porta que exigia prova de tal situação. Todos os dados sobre acessos poderiam ser acumulados numa única base de dados. Seria um passo perigoso na direção de uma identidade nacional digital, que a EFF vem opondo há muito tempo porque criaria novas maneiras de monitorar de forma digital os nossos movimentos e atividades.
Documentação em formato digital também carrega consigo o risco de apresenta-la sob coerção as autoridades. Entregar o seu telefone a polícia, travado ou não, inclui riscos significativos, especialmente para pessoas em comunidades vulneráveis–riscos que poderiam levar a consequências não-desejadas para quem apresentar e o potencial de abuso de poder por agentes de segurança pública.
Ainda, requer que alguém armazena resultados de testes médicos em formato digital iria expor informações medicas pessoais ao perigo de violação de dados. Novamente, isso não é nada novo - vimos exatamente este tipo de violação no passado onde informações medicas foram digitalizadas e coletadas. Ano passado, por exemplo, uma base de dados de HIV em Cingapura vazou as informações pessoais de mais de 14 mil indivíduos que vivem com HIV.
Devemos aprender dos erros do passado e assegurar que a tecnologia funciona para o empoderamento das pessoas e não para criar novas vulnerabilidades.